

Cartografia de Artes e Ofícios
Cuiero
As cuias indígenas, feitas artesanalmente a partir dos frutos da árvore popularmente denominada cuieira (Crescentia cujete), são em sua maioria, provenientes dos municípios paraenses de Santarém e Monte Alegre, situados na região do Baixo Amazonas, onde chamam a atenção de observadores desde o século XVI. De acordo com Gennari (2011), o Frei espanhol Gaspar de Carvajal, foi quem acompanhou Francisco Orellana em viagem pelo Rio Amazonas em 1541 e 1542 e teria sido o primeiro a escrever sobre as cuias bordadas, observando nelas “a presença de padrões fitomórficos anteriores à presença das missões, que se estabeleceriam na região quase um século depois” (Gennari, 2011, p. 55).
Ainda de acordo com Gennari (2011), no século XIX, o naturalista inglês Henry Bates percorreu a Amazônia para recolher objetos para o Museu de História Natural de Londres e escreveu sobre famílias indígenas que “ocupam em fabricar louça ornamentada e cuias pintadas, que vendem aos negociantes ou aos viajantes de passagem”. Sobre as pinturas, ele registrou: “o negro intenso do fundo é obtido por uma tinta, feita da casca da árvore chamada Cumatéa”. Por fim, observou outras colorações: “As cores amarelas são feitas de tabatinga; o vermelho com as sementes de urucum; e o azul com o anil, que é plantado em redor das cabanas” (apud Gennari, 2011, p. 51).
No século XX, o historiador Arthur César Ferreira Reis (1942) reconheceu a importância desse artesanato na formação histórica e na vida econômica do município de Monte Alegre/Pa, mas, na mesma época, outros estudiosos fizeram referências à produção de cuias em Santarém. Em 1939 o então diretor do Departamento de Cultura de São Paulo, Mário de Andrade, dedicou um conto à sua “linda cuia de Santarém”, que “serve para infinitas, materiais e simbólicas coisas” (Andrade, 1939, p. 2). Em 1954 o folclorista Luís da Câmara Cascudo registrou em verbete do seu Dicionário do Folclore Brasileiro a menção às “tradicionais cuias de Santarém”.
De acordo com o DOSSIÊ DE REGISTRO DO MODO DE FAZER CUIAS NO BAIXO AMAZONAS (2015), em Santarém o artesanato de cuias diversificou-se quanto ao modelo, tamanho e à decoração das peças, sem deixar de cumprir suas funções originais, posto que: Esse tipo de cuia é uma criação eminentemente urbana, atribuída a artesãos que têm alguma intimidade com a pintura em outros suportes ou com outras artes visuais, e que, em regra, não realizam todo o processo de confecção de cuias. Em geral, compram-nas já preparadas e tingidas por artesãs de comunidades ribeirinhas para pintar-lhes a superfície convexa. O modo de fazer cuias, com algumas variações, encontra-se disseminado em diversas localidades da Amazônia. Não só artesãos ribeirinhos e urbanos as produzem; elas também aparecem em inúmeras sociedades indígenas. (DOSSIÊ DE REGISTRO DO MODO DE FAZER CUIAS NO BAIXO AMAZONAS, 2015, p. 45).
Em pleno centro do bairro da Cidade Velha, no Mercado do Ver-o-Peso, foi localizado o senhor Domingos Ferreira e Ferreira, de 55 anos, exímio artesão na arte de pintar cuias. Em entrevista seu Domingos narra que: "Sou do interior de Abaetetuba, de uma comunidade chamada Pianduba. Comecei a trabalhar com uns 12 para 13 anos numa olaria manual que tínhamos. Depois de crescidos construímos uma olaria maior, com prensa, maromba (barro/tijolo). Aí todo mundo foi formando suas famílias, comprando seus terrenos, tendo rumos diferentes e a olaria fechou. Nos anos 80 trabalhei com venda de açaí que não prosperou. Junto com meu cunhado viemos pra Belém vender cerâmica, num barco, que também não deu certo e voltamos pro sítio. Alguns anos depois retornei a Belém pra tentar de novo, nesse tempo meu cunhado já tinha uma banca de artesanato no Ver-o-Peso. Trabalhei 04 anos com ele e recebia diária, quinzenal. Eu olhava aquele artesanato e comecei a fazer sozinho, e fui comprando minha mercadoria. Com amigos indígenas que trabalhavam por aqui pelo Ver-o-Peso aprendi fazer os traços na cuia. Hoje tenho uma “pasta” na cabeça com todos os desenhos. Já são 20 anos de trabalho. Seis filhos criados com o artesanato [...] eu ensinei minha filha Raynara o desenho dos grafismos. Hoje ela ficou tão boa que compro dela os grafismos para minhas pinturas".
O ofício da pintura em cuias permite ao seu Domingos uma vida com certo conforto. Diz que possui muitos clientes, incluindo fora do Brasil. Todavia, enfatiza que em tempos idos, era bem melhor para ele viver de seu ofício, visto que poucos artesãos em Belém atuavam neste ramo. Hoje a história mudou. A concorrência é grande, salienta.