

Cartografia de Artes e Ofícios
Sapateiro
De acordo com fontes pesquisadas, os primeiros sapatos surgiram na Mesopotâmia e Egito 5 mil anos antes de Cristo. Eram sandálias feitas de fibras vegetais e couro e nem todo mundo podia usá-las: eram exclusividade dos soberanos sumérios, assírios, babilônicos, cretenses e egípcios.
Os sapateiros encontrados hoje nos centros das cidades ou na periferia são, em sua maioria, os chamados em francês de savetiers, ou reparadores de calçados. Diferentemente destes, a origem do sapateiro provém da etimologia da palavra francesa cordonnier datada da Idade Média, sendo artesãos que dominavam o trabalho com couro e dessa forma, estavam autorizados a confeccionar calçados destinados a aristocracia (BOSSAN, 2008).
Na cidade de Belém, espalhados em seus vários bairros, praças e ruas, existem vários homens que exercem o ofício de sapateiro, nas atividades de reparos e engraxes. No bairro da cidade velha, mais especificamente na Praça Dom Pedro II, está localizada a barraca do senhor Manoel dos Santos Soeiro, de 91 anos, sapateiro há mais de trinta anos.
Em entrevista, o senhor Manoel relatou que: “[...] sou de Afuá, ilha do Marajó e de uma família de 11 irmãos. Minha mãe morreu de tanta tristeza depois que meu irmão caçula morreu afogado. Ela se despediu de todos os filhos 08 dias depois da morte desse meu irmão. Nos reuniu ao redor dela e disse: “Não mexam em nada de ninguém, não desmoralizem os outros”, suspirou e partiu. Na hora eu gritei: “Tia corra aqui”. Minha mãe era linda, linda, linda, mulher grande, forte, gorda, se chamava Amélia. Eu tinha 08 anos de idade. Não demorou muito meu pai nos abandonou e foi viver com outra mulher que também já tinha seus filhos. Tínhamos roça (mandioca, jerimum, milho...) e eu tive um desentendimento com os filhos dessa nova mulher do meu pai, que resultou numa briga entre nós. Um dia, meu pai me entregou para um homem que tinha uma canoa grande, o nome dele era Thomáz. Esse homem prometeu que me daria casa, comida, escola, tudo de bom e me trouxe pra Belém. Morávamos perto da Santa Casa, esse homem era um carrasco, me dava resto de comida pra comer, me batia muito com a tábua na cabeça, acho que por isso não fui bom nos estudos. Um dia, já cansado de apanhar fui na delegacia e denunciei ele e voltei na casa com a polícia só pra buscar minhas coisas. Passei a dormir na delegacia com ajuda do delegado. Ficava por lá fazendo as coisas, limpando o quintal, fazendo mandado para eles. Certo dia uma mulher me viu e perguntou para o delegado se ele era meu pai, que respondeu dizendo que não. De repente começou uma discussão entre eles. No final eu descobri que essa mulher era advogada, juíza e assistente social e praticamente obrigou o delegado a me adotar junto com ela. Ela fez ele me registrar como filho dele e dela, e depois me levou pra morar com ela em Abaetetuba. O delegado e essa senhora me deram nome de pai e mãe. Ela também se chamava Amélia.
A narrativa do senhor Manoel pode se confundir com a narrativa de outros sapateiros existentes na cidade de Belém, considerado no senso comum, um ofício que não requer muitos estudos, bastando certa destreza e ligeireza no uso das mãos, como informa Manoel: “Aos 18 anos, trabalhei em casa de família. Fiz teste para cozinheiro no Mário Barreto, mas não fiquei porque não tinha estudo. Um conhecido meu, chamado Antônio falou em ser sapateiro. Eu nem sabia como pegar na escova, quem me ensinou foi o Juraci, que já estava aqui. Aprendi muito rápido. Estou aqui na praça a 30 anos como sapateiro”. Oriundo de uma família numerosa e com uma prole extensa – oito filhos, seu Manoel conseguiu repassar seu ofício para seus quatro filhos homens, “Os meus quatro filhos são sapateiros e são formados também. Meus filhos são melhores do que eu. Meus filhos que hoje trabalham como sapateiros são: Vilson Santos Soeiro, 40 anos; Valber Santos Soeiro, 45 anos.” Todavia, Seu Manoel se ressente de hoje, com a modernidade, não poder mais sobreviver com o ofício de sapateiro, apesar de ainda ter certa procura; “antigamente era melhor, se pagava melhor. Era mais graxa e cola, hoje solado a costura”. (Entrevista concedida em 11/04/2023).